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Idéia - Isaac Asimov

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Mensagem por Leishmaniose Seg Set 12, 2011 2:35 am

Olá,

Esse texto do Dicas foi escrito por Isaac Asimov e postado pelo Mago D'Zilla, um amigo meu, em seu multiply ( http://dzilla.multiply.com/journal/item/51 ). Copiei o texto para um txt para poder ler com calma e na época ajudou bastante. Acredito que possa vir a ser de utilidade para algum de vocês.

Para quem não conhece, Isaac Asimov é um dos pais da ficção científica moderna, principalmente envolvendo robôs e leis da robótica. Suas obras são recomendadas e referências no mundo todo, inclusive havendo vários filmes com base em seus livros, como o "Eu, Robô" com o Will Smith.

Bonanças.

Atenciosamente,
Leishmaniose
(Aliás, o uso do Bonanças foi adquirido com o Mago D'Zilla a quem tenho como um dos mestres e exemplos de vida - afinal, ele é rpgista, desenha, escreve, trabalha, é casado e tem dois filhos. Não é qualquer um não... XD)
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Alguém uma vez perguntou a Isaac Newton como ele conseguia resolver problemas que outros consideravam insolúveis. Ele respondeu: "Pensando, pensando e pensando no problema."

Não sei que outra resposta as pessoas podem esperar. A não ser que alguém leve a sério a idéia romântica de que existe uma coisa chamada "inspiração", de que uma musa celestial aparece, tange sua harpa perto da cabeça do afortunado indivíduo e pronto, o serviço está feito. Como todas as idéias românticas, porém, esta é apenas uma idéia romântica.

Algumas pessoas podem ser melhores para resolver problemas e ter idéias do que outras; podem possuir uma imaginação mais viva, uma forma mais eficiente de vislumbrar as conseqüências remotas de um fato; acontece que, em última análise, o que essas pessoas estão fazendo é pensar. O que conta é que você seja capaz de pensar direito, e, ainda mais, que consiga concentrar os pensamentos por tempo suficiente em um assunto específico. Existem pessoas brilhantes, imagino, que não conseguem produzir muita coisa útil porque não dão muita atenção aos próprios pensamentos; e existem pessoas menos brilhantes que são capazes de explorar seus pensamentos até conseguirem extrair deles alguma coisa interessante.

Tudo isso me veio à mente porque um amigo meu, um escritor de ficção científica cujo trabalho admiro enormemente, me perguntou, meio sem jeito, no meio de uma conversa:

— Como você consegue suas idéias?

Percebi logo qual era o problema. Ele estava encontrando uma certa dificuldade para começar um novo romance e achava que talvez tivesse perdido o jeito para conseguir novas idéias. Por isso, resolvera me pedir ajuda. Afinal, eu escrevo tanto que certamente não devia ter nenhum problema para conseguir idéias e talvez atpe mesmo dispusesse de um sistema especial que os outros também pudessem usar.

Mas eu respondi, com toda sinceridade:
— Como consigo minhas idéias? Pensando, pensando e pensando até sair fumaça de meu cérebro.

— Você também? - disse ele, obviamente aliviado.

— É claro - disse eu. - Se está encontrando dificuldades, isso quer dizer apenas que você é um de nós. Afinal, se fosse fácil arranjar idéias, todo mundo estaria escrevendo romances!

Depois disso, comecei a pensar na questão das idéias. Seria possível descrever com palavras o meu sistema? Haveria, na verdade, um sistema, ou as idéias seriam fruto do acaso?

Tentei recordar o que havia passado pela minha cabeça antes de eu começar a escrever o meu romance mais recente, Nêmesis, publicado pela Doubleday em outubro de 1989, e achei que seria útil para os escritores em potencial, ou mesmo simplesmente para os leitores, se eu descrevesse os pensamentos que precederam a elaboração do romance.

Tudo começou quando minha editora na Doubleday, Jennifer Brehl, me disse:

— Gostaria que seu próximo romance não pertencesse a nenhuma série, Isaac. Não quero que seja uma história da Fundação, nem uma história do Império, nem mesmo uma história sobre robôs. Escreva um romance totalmente independente.

Depois disso, comecei a pensar, e o que se segue é o rumo que meus pensamentos tomaram. (Vou deixar de fora os becos sem saída, as tentativas frustradas, os rodeios inúteis, e tentar descrever o caminho que percorri da forma mais coerente possível.)

As histórias da Fundação, as histórias dos robôs e as histórias do Império são todas interligadas e transcorrem em um contexto no qual as viagens interestelares a velocidades maiores que a da luz são coisa corriqueira. Dos meus romances independentes anteriores, The End of Eternity/O Fim da Eternidade trata das viagens no tempo; The Gods Themselves/Despertar dos Deuses, da comunicação entre universos; Fantastic Voyage II/Viagem Fantástica II, de miniaturização. Nenhuma delas fala de viagens interestelares.

Muito bem, então, vamos escrever um romance que explore um ambiente totalmente novo. Vamos falar do início das viagens interestelares. Imaginei de imediato um sistema solar já colonizado, com a Terra em decadência e um grande número de colônias em órbita lunar e nos asteróides. Imaginei que existiria uma certa hostilidade entre as colônias e a Terra.

Isso me deu uma razão para a humanidade se interessar pelas viagens interestelares. Naturalmente, o homem não necessita de uma razão específica para explorar o desconhecido (da mesma forma como os alpinistas escalam montanhas porque "elas estão lá"), mas sempre ajuda se a gente arranja um motivo mais prosaico. Uma das colônias podia estar ansiosa para sair do sistema solar e criar uma sociedade totalmente nova, baseando-se na experiência terrestre para evitar alguns dos erros anteriores.

Ótimo, mas para onde ela iria? Se você pode contar com viagens interestelares avançadas, como nos meus romances de Fundação, pode viajar para onde quiser, mas isso seria liberdade demais. As possibilidades seriam excessivas, as dificuldades insuficientes. Se a humanidade ainda está no início das viagens interestelares, o processo ainda não deve ser muito eficiente; a colônia não poderia ir muito longe do nosso sistema.

Neste caso, para onde iria? A escolha lógica seria o sistema de Alfa do Centauro, a estrela mais próxima, mas essa escolha é tão lógica que perde a graça. Então, que tal se houvesse outra estrela na metade da distância de Alfa do Centauro? Ela seria ainda mais fácil de alcançar.

Mas, se essa estrela existe, por que nunca foi observada? Ora, ela pode ser uma anã vermelha, pouco luminosa, e além disso pode haver uma nuvem de poeira interestelar entre ela e o nosso sistema, tornando-a invisível do ponto de vista da Terra.

Nesse ponto, eu me lembrei de que anos atrás alguns cientistas especularam se o Sol poderia ter uma estrela companheira, uma anã vermelha muito distante, que a cada revolução penetraria na nuvem de cometas e faria com que alguns desses cometas se dirigissem para a parte central do sistema solar, onde um ou dois poderiam eventualmente colidir com a Terra, produzindo as ondas periódicas de extinção de formas de vida que parecem ter ocorrido no passado.

Tenho a impressão de que essa idéia saiu de moda, mas decidi usá-la mesmo assim. Meus personagens iriam para aquela anã vermelha vizinha do Sol, que eu chamaria de Nêmesis, o mesmo nome de meu romance. Naturalmente, é difícil imaginar um planeta habitável girando em torno de uma anã vermelha, mas eu precisava de um. Isso me daria maior flexibilidade do que se eu simplesmente fizesse a colônia entrar em órbita em torno da anã vermelha. Para isso, tive que postular uma série de condições que (pelo menos grosso modo) tornariam plausível a existência de um planeta habitável. O que fiz foi inventar um gigante gasoso, com um satélite do tamanho da Terra; o astro habitável seria o satélite.

Agora eu precisava de um problema. O mais óbvio seria dizer que Nêmesis estava girando em torno do Sol e em breve passaria pela nuvem de cometas. Rejeitei essa idéia porque tinha sido muito discutida pela imprensa, e eu queria alguma coisa menos esperada. Assim decidi que Nêmesis seria uma estrela independente, que por acaso estava passando muito perto do sistema solar, com efeitos gravitacionais possivelmente perigosos.

Era um bom problema, mas eu precisava também de uma boa solução. Isso levou um tempo, mas acabei encontrando uma. (Desculpem, mas não vou contar qual foi. Para saber, terão que ler o livro.)

O que eu precisava em seguida era de um bom personagem que funcionasse como a coluna vertebral do livro, em torno do qual tudo aconteceria. Escolhi uma menina de quinze anos, com certas características que a tornariam interessante.

Precisava também de um ponto de partida. Resolvi iniciar a história com meu personagem principal dizendo alguma coisa que desse origem à cadeia de eventos que tomaria o resto do livro. Após esta decisão, sentei-me para escrevê-lo.

Vocês podem objetar que a essa altura eu ainda não tinha um romance. Tudo que eu tinha era o contexto social, um problema, uma solução, um personagem e um começo. Quando é que eu crio todos os detalhes que constituem o enredo tipicamente complexo dos meus romances? (O enredo de Nêmesis é muito complexo.)

A resposta é que vou criando os detalhes à medida que se tornam necessários, mas não sem pensar. Depois de imaginar a primeira cena e escrevê-la, descubro que a segunda cena já está na minha cabeça. Ao terminá-la, já sei como vai ser a terceira, e assim por diante, até a cena número noventa e cinco ou coisa parecida, que corresponde ao final do romance.

Para fazer isso, não posso parar de pensar durante o tempo que levo para escrever um livro (cerca de nove meses). Isso me custa muitas noites de sono e me faz parar de prestar atenção às pessoas e coisas que me cercam (incluindo um ocasional olhar esgazeado para minha querida esposa Janet, que jamais escapa à idéia alarmante de que há "alguma coisa errada" comigo toda vez que entro em um surto de pensamentos criativos!).

Naturalmente, é possível que depois de escrever dois terços do livro eu perceba que ainda no começo enveredei por um caminho errado e agora me encontro num beco sem saída. É possível, mas nunca me aconteceu, e não acredito que venha a acontecer. Sempre baseio as cenas seguintes nas anteriores e jamais considero outras alternativas. Simplesmente não tenho tempo para começar tudo de novo.

Entretanto, não quero fazer o processo parecer mais fácil do que realmente é. Vocês têm que levar em conta, em primeiro lugar, que eu tenho uma aptidão natural para este tipo de coisa, e em segundo lugar que venho fazendo isso há mais de meio século.

Seja como for, está é a única forma que encontrei para explicar como consigo minhas idéias.


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